Tem dia que parece que você envelhece uns 80 anos, fica da cor do bigode ultrapassado.
Tem horas que parece que você rejuvenesce uns 18 anos, fica com espinha que nem o adolescente no cinema. Tem noites que você dorme até colar seus sonhos no travesseiro, e acorda suando de tanto que correu para conquistar. Tem dias que parecem noite, que tudo fica escuro, chove dentro de você, e deságua lá na sarjeta. Tem noites que parecem dia, tudo não tem fim e o mais longe é tentar enxergar aquela estrela que nunca brilha.
Tem 28 anos que não cabem na calculadora de ninguém e tudo é motivo de questionamento. Nome, peso, altura, profissão, relacionamento, cidade, férias, viagem, pessoas, rumo, história, comidas, salário, preço, sonhos, diálogo, família, academia, distâncias, saudades, ódios, amores, relógio, horas, gastos, dormir, acordar, porquê, porquê, porquê daqui, de lá de acolá. Culpa, raiva, canseira e dor.
Os sabores do sorvete são muito, daí até isso é questionável. A cadeira do bar é ruim de sentar, a fila na entrada da balada, o atendimento da padaria, o jeito que vem o troco, os laços que você mantém, você questiona tudo. Reclama de muito, tem certeza de quase nada, mas absoluta do que já não quer mais ter.
É uma sensação de pisca pisca, pisca apaga, pisca acende.
Pisca apaga
Pisca acende
Pisca apaga, acende, apaga, acende.
Vem o corpo e pede pra descansar.
Vem a alma e pede pra viver.
Vem o espírito e pede para orar.
Vem os outros e pedem resultado.
Vem a saúde e pede exercício.
Vem as redes sociais e querem atualização.
Vem o círculo social e pedem participação.
Vem o silêncio e fica falando e não te deixa dormir.
Vem a alimentação e te cobra caro.
Vem o vazio e pede solução.
Em quantos 28 anos se divide uma vida?
Mas vem o mar e me chama, lá longe, para mergulhar.
Tinha um moço revirando o lixo, na rua pela qual passei. Mas o lixo não era lixo. O lixo tinha uma mala. Ele olhou, virou, deixou o cigarro pendurado na boca enquanto averiguava exatamente se aquela mala tinha rodas, ziper, costura e se realmente precisava estar ali, no lixo. Demorou tanto para fazer a vistoria que não dei conta de esperar, virei a esquina apertada pro xixi. Tenho certeza de que ele precisava colocar ali dentro alguma coisa, alguma passagem de ida, alguma casa, alguma família, alguma viagem, algum sabor, alguma escolha do querer carregar algo para algum lugar. Algo que valha a pena.
Tenho me perguntado, cada vez mais, o que quero carregar dentro da minha mala, para algum lugar.
Maissensibilidade
Narrativas da realidade de um cotidiano sempre questionável
quarta-feira, 9 de abril de 2014
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
Experimentando a ficcção
Vamos ao que interessa.
Enquanto o morno banho caia nas costas, a ducha não sabia se esfriava ou se queimava. Essa intermitência dos dias de verão inverno da ducha deixam qualquer natureza, no mínimo sem certezas. No mesmo instante que a água diminuiu de conteúdo e a luz estremeceu um pouco querendo o falhar, um barulho veio vindo veio vindo veio vindo por cima da cabeça que estava embaixo da água.
Um barulho imenso que passava o barulho da água que caia na cabeça que parecia uma cachoeira mas o barulho parecia ser mais que o barulho do barulho da água. Que não era cachoeira. Que também não era frio nem calor. Mas frio. E também calor. E veio vindo e aumentando. Eram hélices imensas, que faziam o vento lá fora cantar mais alto do que já ventava desde cedo. As flores começaram a cair todas da árvore. Não se sabe se sim, mas se tem certeza. Ou não, afinal isso aqui é uma ficção. Então pode ventar e as flores não caírem.
E o barulho veio entrando pela mísera fresta do vitrô do banheiro, meio quente pelo mormaço da água, mas também meio frio pela corrente de vento formada com o resto da casa. E veio vindo. Aumentando. As hélices girando e girando em preto. Girando girando girando em preto. E a névoa que cobria a redoma do banheiro foi se dissipando. Virou uma tormenta, daquelas de muito bom gosto. O barulho alto e alto e cada vez mais baixo e baixo, perto dos ouvidos.
StUUUuuuuUUUUUuuuuuuuUm.
Fez-se silêncio.
Barulho para dentro do vácuo, um barulho em silêncio. Semelhante a legenda quando daquela cena da explosão da bomba de hiroshima.
Dalí, Salvador.
Uma transfusão de sangue e por segundos vendo lá de cima. Toda a cena lá embaixo. A linha da vida, as respostas para todas as perguntas, as palmas ou os choros para todas as escolhas, as risadas de ironia para todas as incertezas, e assim, do começo ao fim, uma curta vida de poucos segundos. Com todas as rodas gigantes rodando e rodando para dentro do parque, para fora do gigante da tormenta. Encontrando todas as soluções, achando todos os caminhos, fazendo apenas escolhas certas e depois tendo certezas das certezas. Fácil assim. Uma pílula com todas as luzes para se tomar em um só gole.
Enquanto o morno banho caia nas costas, a ducha não sabia se esfriava ou se queimava. Essa intermitência dos dias de verão inverno da ducha deixam qualquer natureza, no mínimo sem certezas. No mesmo instante que a água diminuiu de conteúdo e a luz estremeceu um pouco querendo o falhar, um barulho veio vindo veio vindo veio vindo por cima da cabeça que estava embaixo da água.
Um barulho imenso que passava o barulho da água que caia na cabeça que parecia uma cachoeira mas o barulho parecia ser mais que o barulho do barulho da água. Que não era cachoeira. Que também não era frio nem calor. Mas frio. E também calor. E veio vindo e aumentando. Eram hélices imensas, que faziam o vento lá fora cantar mais alto do que já ventava desde cedo. As flores começaram a cair todas da árvore. Não se sabe se sim, mas se tem certeza. Ou não, afinal isso aqui é uma ficção. Então pode ventar e as flores não caírem.
E o barulho veio entrando pela mísera fresta do vitrô do banheiro, meio quente pelo mormaço da água, mas também meio frio pela corrente de vento formada com o resto da casa. E veio vindo. Aumentando. As hélices girando e girando em preto. Girando girando girando em preto. E a névoa que cobria a redoma do banheiro foi se dissipando. Virou uma tormenta, daquelas de muito bom gosto. O barulho alto e alto e cada vez mais baixo e baixo, perto dos ouvidos.
StUUUuuuuUUUUUuuuuuuuUm.
Fez-se silêncio.
Barulho para dentro do vácuo, um barulho em silêncio. Semelhante a legenda quando daquela cena da explosão da bomba de hiroshima.
Dalí, Salvador.
Uma transfusão de sangue e por segundos vendo lá de cima. Toda a cena lá embaixo. A linha da vida, as respostas para todas as perguntas, as palmas ou os choros para todas as escolhas, as risadas de ironia para todas as incertezas, e assim, do começo ao fim, uma curta vida de poucos segundos. Com todas as rodas gigantes rodando e rodando para dentro do parque, para fora do gigante da tormenta. Encontrando todas as soluções, achando todos os caminhos, fazendo apenas escolhas certas e depois tendo certezas das certezas. Fácil assim. Uma pílula com todas as luzes para se tomar em um só gole.
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
A loja de fantasias
Quando como uma criança, que entra dentro de um parque de diversões e sai correndo em busca da roda gigante mais alta. Quase a escolher as cores do algodão doce antes mesmo de ganhar de brinde. Acho que foi assim que me senti ao entrar na loja de fantasia alguns dias atrás. Já sabia o que eu queria, mas o fato de entrar em um lugar desses pela primeira vez em minha vida, me fez lembrar de quando eu gravava em fitas cassetes, cenas específicas de filmes de que eu mais gostava. Lembrei nitidamente da cena curta e que emocionava sempre de 'Dormindo com o Inimigo', quando a Julia Roberts saia do palco e entrava em um porão e lá passava a vestir inúmeras fantasias, máscaras, perucas, e ao fundo a música Brown Eyed Girl, do Van Morisson. Ela ria mas ria tanto e de um jeito tão gostoso pro mundo, que eu jurava para mim, na época, que também ia construir meu porão de fantasias ao longo da minha vida.
Não sei quanto a gente sabe se despir de todos esses sonhos, fato é que lembrei de todos eles dentro da loja de fantasias. Passei mais de duas hora lá dentro olhando cada arara, sentindo aquele cheiro de ilusões que tem o lugar. Mais do que isso, é o cheiro de lavanderia lá dentro. fato. Afinal, todas as vestes estão cheirosas e vindas diretamente de máquinas de lavar que tiveram a felicidade de se encontrar com aquelas roupas que com certeza, tiraram sorriso de muitas pessoas durante algumas horas.
Dois andares de pura emoção. Perguntei às atendentes o quanto de histórias elas não tinham para contar. Elas sorriram e disseram que eram muitas, eu sorri, e disse que este é o tipo de trabalho que faz bem para alma, todos os dias. São salas e salas que não têm fim, e os temas são separados por épocas e séculos. Tem de marinheiros a roupas quentes e imensas de ursos peludos. Na entrada existem pastas e pastas, como um catálogo, que se folheia folheia até você se identificar com algo que combine com você. E o que combina com a gente? Fiquei encostada no balcão enquanto ela fazia meu cadastro e fiquei imaginando onde aquelas pessoas todas, com a loja lotada, estariam indo nos próximos dias ou finais de semana serem felizes.
Um sentimento de nostalgia de algo que nunca tive, da construção de um personagem que estaria a se formar na próxima semana e na expectativa da vida, que é colocar emoção e esperança nas escolhas que fazemos. Lembrei dos palcos, e de quando eu estudava a construção dos meus personagens no teatro, nas escolhas certas das falas, gestos, vestes, cabelos, tons de voz e tudo. Fiquei ali colocando vontade de ser uma personagem para aquele meu vestido de bolinha, da garota vestida para um baile nos anos 60. Criando versões engraçadas de mobilidade para aquela minha fantasia. Ganhei um saquinho extra, cheio de acessórios como luvas, óculos de sol, fitas e um belo colar de falsas pérolas. Ainda passei por mais alguns corredores, me perguntando se realmente era aquele o vestido que eu queria usar. Tive tanta certeza que nem provei outras opções, só fiz graça em frente ao espelho, enquanto um moço desfilava de Peter Pan e uma moça de espanhola.
O aluguel tinha desconto. Na conta, somei felicidade, coloquei um pouco mais de ilusão, enquadrei expectativa, botei música, limpei as lentes, somei saudade, pensei em festa, juntei sorrisos, e saí de lá com a conta paga. O valor do dinheiro, de longe, não pagava essa ânsia de esperar.
Deixei o vestido pendurado no melhor ângulo branco da minha parede. Para ver todos os dias. E somar um pouquinho mais de vontade e expectativa.
A festa chegou, a luz apagou, e a música parou. Passa rápido.
Hoje fui devolver minha fantasia, 5 minutos antes da loja fechar as portas. Só tinha eu lá dentro. E mais três vendedoras conferindo notas e perguntando de quem eram aquelas fantasias penduradas. Me deu o nó na garganta, de saber que tive que me despir da personagem, deixar suas expectativas, e voltar a ser Juliana.
O óculos escuro também ficou por lá.
Não sei quanto a gente sabe se despir de todos esses sonhos, fato é que lembrei de todos eles dentro da loja de fantasias. Passei mais de duas hora lá dentro olhando cada arara, sentindo aquele cheiro de ilusões que tem o lugar. Mais do que isso, é o cheiro de lavanderia lá dentro. fato. Afinal, todas as vestes estão cheirosas e vindas diretamente de máquinas de lavar que tiveram a felicidade de se encontrar com aquelas roupas que com certeza, tiraram sorriso de muitas pessoas durante algumas horas.
Dois andares de pura emoção. Perguntei às atendentes o quanto de histórias elas não tinham para contar. Elas sorriram e disseram que eram muitas, eu sorri, e disse que este é o tipo de trabalho que faz bem para alma, todos os dias. São salas e salas que não têm fim, e os temas são separados por épocas e séculos. Tem de marinheiros a roupas quentes e imensas de ursos peludos. Na entrada existem pastas e pastas, como um catálogo, que se folheia folheia até você se identificar com algo que combine com você. E o que combina com a gente? Fiquei encostada no balcão enquanto ela fazia meu cadastro e fiquei imaginando onde aquelas pessoas todas, com a loja lotada, estariam indo nos próximos dias ou finais de semana serem felizes.
Um sentimento de nostalgia de algo que nunca tive, da construção de um personagem que estaria a se formar na próxima semana e na expectativa da vida, que é colocar emoção e esperança nas escolhas que fazemos. Lembrei dos palcos, e de quando eu estudava a construção dos meus personagens no teatro, nas escolhas certas das falas, gestos, vestes, cabelos, tons de voz e tudo. Fiquei ali colocando vontade de ser uma personagem para aquele meu vestido de bolinha, da garota vestida para um baile nos anos 60. Criando versões engraçadas de mobilidade para aquela minha fantasia. Ganhei um saquinho extra, cheio de acessórios como luvas, óculos de sol, fitas e um belo colar de falsas pérolas. Ainda passei por mais alguns corredores, me perguntando se realmente era aquele o vestido que eu queria usar. Tive tanta certeza que nem provei outras opções, só fiz graça em frente ao espelho, enquanto um moço desfilava de Peter Pan e uma moça de espanhola.
O aluguel tinha desconto. Na conta, somei felicidade, coloquei um pouco mais de ilusão, enquadrei expectativa, botei música, limpei as lentes, somei saudade, pensei em festa, juntei sorrisos, e saí de lá com a conta paga. O valor do dinheiro, de longe, não pagava essa ânsia de esperar.
Deixei o vestido pendurado no melhor ângulo branco da minha parede. Para ver todos os dias. E somar um pouquinho mais de vontade e expectativa.
A festa chegou, a luz apagou, e a música parou. Passa rápido.
Hoje fui devolver minha fantasia, 5 minutos antes da loja fechar as portas. Só tinha eu lá dentro. E mais três vendedoras conferindo notas e perguntando de quem eram aquelas fantasias penduradas. Me deu o nó na garganta, de saber que tive que me despir da personagem, deixar suas expectativas, e voltar a ser Juliana.
O óculos escuro também ficou por lá.
quinta-feira, 27 de junho de 2013
Me dá mais nuvens
Ás vezes fico me perdendo em nuvens, no gerúndio.
Aí fico tentando me achar em raízes, no plural.
Mas daí não me basto nos tempos, verbais nenhum.
Eu não gosto do gosto da regra, e ainda acredito da exceção disso e daquilo.
No descompasso, da novidade que vem com outro nome.
Vem que tem que leva que anda-lhe.
De um dia assim
Depois quem sabe.
De hoje em diante não tem mais calendário nem em vão
não tem lendas, não tem mais ficção, só coração
que se esbarra
na lente dos óculos escuros, pra ver de longe e sentir de perto.
Sobra compasso
Na contagem da credibilidade das palavras em construção.
Dentro do vão, tem uma nesga de luz tão forte
Que me ruma pro norte quando não tenho sorte.
Acreditando no espaço
no alçar
no ventilar
nas margens de um rio que nunca é o mesmo
no levantar
Alcançando a iris
Me dá mais nuvens
Aí fico tentando me achar em raízes, no plural.
Mas daí não me basto nos tempos, verbais nenhum.
Eu não gosto do gosto da regra, e ainda acredito da exceção disso e daquilo.
No descompasso, da novidade que vem com outro nome.
Vem que tem que leva que anda-lhe.
De um dia assim
Depois quem sabe.
De hoje em diante não tem mais calendário nem em vão
não tem lendas, não tem mais ficção, só coração
que se esbarra
na lente dos óculos escuros, pra ver de longe e sentir de perto.
Sobra compasso
Na contagem da credibilidade das palavras em construção.
Dentro do vão, tem uma nesga de luz tão forte
Que me ruma pro norte quando não tenho sorte.
Acreditando no espaço
no alçar
no ventilar
nas margens de um rio que nunca é o mesmo
no levantar
Alcançando a iris
Me dá mais nuvens
domingo, 9 de junho de 2013
Na batida do coração
São milhões de sentimentos num refrão só.
Música também pode se tornar parte da sua dieta quando você sabe para o que ela serve, no momento certo. As doses certas de estilos corretos podem tirar seu pensamento do mundo, do trânsito, da caminhada, da leitura, de qualquer ação que esteja fazendo, e te levar para outro espaço da memória. Perto de um dia, de um cheiro, de um lugar que já passou ou que ainda quer passar mas não sabe bem onde é ou está. Não dá aquela vontade de abrir as janelas e berrar alto de tão forte que toca lá dentro da gente?
Dentro da gente é que está a batida perfeita.
Canções sejam elas de tamborins a guitarras, o sentimento que nos traz é só nosso. Peculiar, são fotografias. São lapsos de algo que só você sabe traduzir em versos, sorrir, chorar. Elas não se vão, não morrem, não envelhecem, não cheiram poeira, não são fora de moda, não interessa em que ano foram lançadas. Se eram vinis, se eram discos, CD, mp3, se hoje não são tocáveis mas apenas audíveis. O significado continua sendo o mesmo e é aí que está a delicadeza das notas.
Ouvir o mais alto possível é gritar lá dentro. Dá para abrir os vidros, ou dá para fechar as portas. Dá para enfiar um fone o mais perto possível do seu tímpano e o set list te fazer correr uma maratona inteira. Dá para regar jarras quando doem, dá para sorrir quando estão próximas do futuro. Sabe, aquele que a gente conduz na batida do significado.
É um sambinha que te carrega
É um rock que te liberta
É um pop que te desperta
É uma mpb que te acalma
É um funk que te ri
É um heavy que te grita
É um clássico que te introspecta
Música também pode se tornar parte da sua dieta quando você sabe para o que ela serve, no momento certo. As doses certas de estilos corretos podem tirar seu pensamento do mundo, do trânsito, da caminhada, da leitura, de qualquer ação que esteja fazendo, e te levar para outro espaço da memória. Perto de um dia, de um cheiro, de um lugar que já passou ou que ainda quer passar mas não sabe bem onde é ou está. Não dá aquela vontade de abrir as janelas e berrar alto de tão forte que toca lá dentro da gente?
Dentro da gente é que está a batida perfeita.
Canções sejam elas de tamborins a guitarras, o sentimento que nos traz é só nosso. Peculiar, são fotografias. São lapsos de algo que só você sabe traduzir em versos, sorrir, chorar. Elas não se vão, não morrem, não envelhecem, não cheiram poeira, não são fora de moda, não interessa em que ano foram lançadas. Se eram vinis, se eram discos, CD, mp3, se hoje não são tocáveis mas apenas audíveis. O significado continua sendo o mesmo e é aí que está a delicadeza das notas.
Ouvir o mais alto possível é gritar lá dentro. Dá para abrir os vidros, ou dá para fechar as portas. Dá para enfiar um fone o mais perto possível do seu tímpano e o set list te fazer correr uma maratona inteira. Dá para regar jarras quando doem, dá para sorrir quando estão próximas do futuro. Sabe, aquele que a gente conduz na batida do significado.
É um sambinha que te carrega
É um rock que te liberta
É um pop que te desperta
É uma mpb que te acalma
É um funk que te ri
É um heavy que te grita
É um clássico que te introspecta
sábado, 1 de junho de 2013
Das antigas, tecnologia
Com um copo de água na mão, quase derrubei tudo como de costume. Estava virada de costas e a senhora estava sentada, magra, de pernas cruzadas, naquelas cadeiras onde os cabeleireiros lavam os cabelos das pessoas naquele processo todo antes de cortar.
- Onde é que aperta aqui para eu colocar o 21 antes do telefone? - disse ela.
Engoli o resto e vi que ela falava comigo.
- O que a senhora precisa? - perguntei.
- Sabe, aqui óh, eu preciso colocar o 21 antes do DDD 11 mas eu não sei andar para trás com isso aqui e...
(os teclados faziam um barulho tão alto e antigo que dava para ouvir da outra sala do salão)
- Olha só, com licença, posso ver para a senhora? - perguntei.
Já fui pegando o celular, pequenininho e antigo, mas funcional. Ligações e mensagens:check.
- A senhora aperta aqui oh que ele vai andando para trás e aí é só digitar o 21 entre o 0 e o 11.
- Ahhhhhhhhhh isso mesmo, como chama isso, cursor né? Olha sóooooooo! Foi!
(ela me mostrou o status: mensagem enviada).
- Que bom! - completei.
Ela saiu falando alto para outra moça que tinha conseguido enviar a mensagem.
Atravessei a porta e sentei na cadeira, esperando ser chamada para fazer a unha. Olhei para o lado uma criança japonesinha, o que já me chama atenção sempre. Crianças japonesas, rostinhos redondos, franjinha de índio, pode isso! Ela estava lá, com as mãozinhas esticadas e o pé também, os dois, cheio de papel entre eles de como quem espera secar o esmalte. Olhei, sorri e ela também. Tinha só dois dentinhos na frente, os dois caninos, o resto era uma janelinha de criança. Francesinha, branquinha, ela escolheu passar. Fez pés, mãos, e estava ali já há mais de uma hora sentadinha...criança.
Terminou e ficou olhando fixamente porque eu passava um esmalte de cada cor na unha, para escolher um deles. Olhou e cansou. Abriu sua revista de origamis e perguntou à mãe se iriam brincar disso ainda hoje.
"sim", disse a mãe.
- Mas mãe, a gente não ia ao shopping? - questinou.
Eu comecei a rir, ela olhou...escorregou na poltrona e disse que estava com sono, tinha dormido pouco.
Dei trela e ela me contou a história toda de uma vez só como criança, de 6 anos, Bruna:
- Eu não dormir essa noite acordei no meio da noite passando mal aí que eu tava com dor de barriga aí eu passei mal fui pro quarto deitar com minha mãe e meu pai aí ele me disse que ia me levar pro hospital eu falei nãaaaaao pai aí eu melhorei não passei mais mal mais não dormi bem a noite e depois dormi pouco e também acordei cedo e agora eu tô com sono!
Todo mundo do salão inteiro indo até ela, pedindo para mostrar as unhas feitas. Todo mundo achando lindo!
Só eu parei para imaginei que dali 2 minutos ela iria bater e estragar tudo, porque ia no shopping fazer origami dormir acordar pular brincar de tudo, ter medo de médico, rir, brincar de qualquer outra coisa ter dor de barriga, menos de ser gente grande?
Cursor. Velho no novo, novo no velho.
- Onde é que aperta aqui para eu colocar o 21 antes do telefone? - disse ela.
Engoli o resto e vi que ela falava comigo.
- O que a senhora precisa? - perguntei.
- Sabe, aqui óh, eu preciso colocar o 21 antes do DDD 11 mas eu não sei andar para trás com isso aqui e...
(os teclados faziam um barulho tão alto e antigo que dava para ouvir da outra sala do salão)
- Olha só, com licença, posso ver para a senhora? - perguntei.
Já fui pegando o celular, pequenininho e antigo, mas funcional. Ligações e mensagens:check.
- A senhora aperta aqui oh que ele vai andando para trás e aí é só digitar o 21 entre o 0 e o 11.
- Ahhhhhhhhhh isso mesmo, como chama isso, cursor né? Olha sóooooooo! Foi!
(ela me mostrou o status: mensagem enviada).
- Que bom! - completei.
Ela saiu falando alto para outra moça que tinha conseguido enviar a mensagem.
Atravessei a porta e sentei na cadeira, esperando ser chamada para fazer a unha. Olhei para o lado uma criança japonesinha, o que já me chama atenção sempre. Crianças japonesas, rostinhos redondos, franjinha de índio, pode isso! Ela estava lá, com as mãozinhas esticadas e o pé também, os dois, cheio de papel entre eles de como quem espera secar o esmalte. Olhei, sorri e ela também. Tinha só dois dentinhos na frente, os dois caninos, o resto era uma janelinha de criança. Francesinha, branquinha, ela escolheu passar. Fez pés, mãos, e estava ali já há mais de uma hora sentadinha...criança.
Terminou e ficou olhando fixamente porque eu passava um esmalte de cada cor na unha, para escolher um deles. Olhou e cansou. Abriu sua revista de origamis e perguntou à mãe se iriam brincar disso ainda hoje.
"sim", disse a mãe.
- Mas mãe, a gente não ia ao shopping? - questinou.
Eu comecei a rir, ela olhou...escorregou na poltrona e disse que estava com sono, tinha dormido pouco.
Dei trela e ela me contou a história toda de uma vez só como criança, de 6 anos, Bruna:
- Eu não dormir essa noite acordei no meio da noite passando mal aí que eu tava com dor de barriga aí eu passei mal fui pro quarto deitar com minha mãe e meu pai aí ele me disse que ia me levar pro hospital eu falei nãaaaaao pai aí eu melhorei não passei mais mal mais não dormi bem a noite e depois dormi pouco e também acordei cedo e agora eu tô com sono!
Todo mundo do salão inteiro indo até ela, pedindo para mostrar as unhas feitas. Todo mundo achando lindo!
Só eu parei para imaginei que dali 2 minutos ela iria bater e estragar tudo, porque ia no shopping fazer origami dormir acordar pular brincar de tudo, ter medo de médico, rir, brincar de qualquer outra coisa ter dor de barriga, menos de ser gente grande?
Cursor. Velho no novo, novo no velho.
terça-feira, 14 de maio de 2013
Orelhas
Pequeno, até o meu joelho. Os olhos, grandes e um tom verde que não saberia descrever.
Olhou para mim, na porta do hortifruti, em pleno domingo de sol seco começo de outono céu lindo.
Compras clássicas, para iniciar a semana. Mas ele não. Estava próximo ao pai, mexendo em algo que não sei o que era, pois o que meu chamou a atenção foram suas orelhas. Pretas, como um tiara, acima da cabeça. Ele estava de orelhas de Mickey domingo. Não sei sei nome, não sei quantos pequenos anos tem, não sei onde mora, nem sei se ele prefere groselha ou brócolis, improvável. Se estava indo passear ou se o passeio era lá. Só sei que eu passei por ele, olhei por segundo nos olhinhos, e comecei a rir por conta das orelhas.
Não conseguia escolher nada do que eu queria pensando na possibilidade daquele lugar estar cheio de adultos e cada um fantasiado do personagem que mais gosta. Ou com uma parte da fantasia do seu personagem favorito. Me peguei rindo de novo. Pensando no mundo das crianças, que tornam tão simples seus sonhos, vão lá e fazer acontecer, com objetos de plástico, que representam sua vontade de ser outro ou de imaginar que podem ter poderes especiais.
Fiquei pensando que tipo de herói ou heroína eu gostaria de ser. Que peça representativa eu iria usar, num domingo de manhã, para ir até o hortifruti. Lembro do 'Ensaio sobre a Cegueira', branca, que ninguém vê ninguém, que o caos se torna o único objeto de euforia. As prateleiras devastadas pela ânsia do ser humano e imaginar a fome, tão perto. Nisso tudo, imagina se o caos fossem as fantasias? Que cor seria a sua? A minha? Do que eu me vestiria?
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